Aeroporto Fiumicino, Roma, Itália, vinte e duas horas. O avião decola.  Encosto a testa na janela e começo a me deliciar com a inenarrável imagem da cidade, que ao longo de seus mais de três mil anos vem influenciando o mundo com sua cultura, arte e arquitetura, totalmente iluminada.

Como numa cena de filme, noto que a lua cheia espalha seu brilho na via costeira da cidade histórica. Arrepiei total. Que imagem linda. Enquanto agradeço a Deus por ter a abençoada chance de viver este momento, num lapso de vício moderno, busco o celular na bolsa para fotografar a cena. O lapso durou poucos segundos. Antes mesmo de conseguir ligar o celular, fui inundada por quase que um sentimento de vergonha. Diante de uma vivência tão única, qual o propósito de registrar aquela imagem? Eternizar o momento? Postar nas redes sociais?

Guardei o celular e continuei tentado me transportar para fora da minúscula janela do avião. Mesmo porque, não há registro fotográfico algum que possa transmitir o contexto daquela imagem. Muito provavelmente, para muita gente, seria um monte de luzes coloridas vistas do alto. Para mim, é algo que transcende o explicável.

Quem me conhece há mais de dez anos sabe da minha paura por voar. Paura. Desespero. Agonia. Não era somente um simples medo de avião. Incontrolável, meu corpo apresentava sinais dois ou três dias antes da decolagem. Insônia, irritação, desarranjo intestinal (vulgo, diarréia) apoderavam-se de mim no período que antecedia a viagem.

Cheguei a pesquisar sobre todos os acidentes aéreos ocorridos desde que lidamos com a aviação moderna. Calculava o número do assento que escolheria, com base em dados que relatavam onde haveria mais segurança dentro de uma aeronave. E se, naquela aeronave não houvesse o dito cujo assento disponível, escolhia outro voo.

Sim. Você tem informação suficiente para classificar como neurose total.

Mas era assim que eu lidava com o pavor. Forças do ofício e da paixão por viajar me forçavam a lutar e superar aquela sentimento ruim, que por pior que fosse não era forte o suficiente para me impedir de ir e vir. Mesmo rezando muito. Mesmo com as mãos transpirando, as pernas trêmulas e o coração palpitando. Ele nunca me impediu de fazer decolagem alguma.

Houve uma situação em que, voltando de uma reunião de trabalho em Belo Horizonte, no balcão de check-in, notei que estava no aeroporto errado. A distância entre os dois aeroportos seria, de no mínimo, uma hora e vinte minutos. Vamos lá. Quero ir para casa.

Nervosa e brava comigo por ter cometido o básico equívoco de ir ao aeroporto errado, entrei no taxi e disse para o motorista. Preciso chegar no aeroporto de Confins em, no máximo, uma hora e quinze, mas o senhor não precisa correr ou fazer qualquer loucura. Se eu não conseguir embarcar isso é um sinal divino de que eu não devo pegar esse voo. Ao finalizar esta frase, claro que eu já estava chorando.

“Fique calma senhorita”, respondeu o motorista. Farei o possível para que consiga voltar para sua casa ainda hoje. O último voo para São Paulo decolaria às 22h10. Este evento me veio à mente alguns minutos atrás. Comecei a rir e me perguntar onde, quando e como isso mudou?. O voo em que estou atrasou duas horas e nem por isso o desespero tomou conta de mim.

Escrevo estas linhas de dentro do avião. A cidade de Roma foi palco da conexão de um voo que teve início na Coreia do Sul. Hoje, ao encostar a cabeça no travesseiro, terei estado dentro de uma aeronave por quatorze horas. E não para por aí. Horas adicionais ampliam este cálculo.

Na última segunda-feira (hoje é sexta-feira), finalizei o trajeto Brasil – Coreia do Sul, totalizando mais de vinte e quatro horas de voo. Ao final desta semana, terei voado quase quarenta horas. Nada mal para alguém que temia pousos e decolagens há menos de uma década.

#1 – Primeiro pilar da mudança: minha eterna teimosia. Desde pequena eu sonhava em conhecer o mundo. Nasci na capital de São Paulo, mas fui criada em um cidade do interior do estado. E era desta pequena cidade (para padrões de mundo) que meus sonhos viajavam.

Meu lado irreverente, teimoso e sedento por aventuras continente a fora, foram muito mais fortes do que o medo. Até hoje sinto um gelinho na barriga cada vez que o avião decola, mas com o tempo aprendi a lidar com essas sensações. Sei qual será a resposta do meu corpo. Quanto tempo levará e em qual intensidade me atingirá e passará.

Mesmo o coração que dispara a cada turbulência, a cada anúncio do comandante para afivelar o cinto de segurança, têm pouca representatividade diante dos meus sonhos.

#2 – Gerenciar abstrato e concreto no mesmo nível. Ora, seguindo os princípios da lógica, como alguém que tem medo de voar pode concretizar seu sonho de conhecer o mundo? Uma das primeiras constatações de uma conta que não fechava. Algo teria de ser feito.

O que seria melhor, sucumbir ao medo ou realizar sonhos?

Estas foram algumas das perguntas que fiz a mim mesma para vencer o pavor. Sim, porque para todos os efeitos eu teria que lidar com um sentimento em específico. Não gosto e nem sei lidar muito bem com a frustação. Escolhi o inesquecível prazer de admirar as luzes de Roma e outras tantas mundo afora. Escolhi e inenarrável emoção de mergulhar no azul incomparável dos mares das Filipinas. Optei pelo aprendizado cultural ao conviver com o Oriente. E o mais especial, amo a sensação de voltar para casa com a bagagem cheia do novo, e mesmo assim ainda receber o carinho do Napoleão (meu gato) com aquela piscadinha só dele.

#3 – O amor. Ah…o que seria da nossa vida sem o amor? Esta escolha foge ao controle. Nunca sabemos por quem a paixão vai acender de forma esfuziante. Mesmo assim, ainda temos a chance da escolha. E eu escolhi seguir o meu coração. O que significa subir aos céus a cada quarenta dias, em uma viagem doida que dura quarenta e duas horas (contanto horas de aeroporto e tempo de voo) para poder encontrar o meu amor. Esse é o único jeito, levando-se em conta que não posso me mudar de vez para lá. Hoje ele trabalha na Coreia do Sul. Quando terminar sua missão por lá, é ainda incerto para qual região do mundo ele irá. Sem problemas. O que importa é que para onde quer que ele vá, lá estarei eu voando para encontrá-lo.

Neste caso ele não vence mesmo!!!

O medo é algo que nos paralisa. Algo que faz com que sonhos lindos sejam esquecidos. Projetos de vida sejam engavetados. Zumbis corporativos sejam criados. Só que ele não pode ser mais forte do que a essência que há em cada um de nós, a não ser que lhe seja dado este poder. Tenho certeza de que um dia a ciência provará a relação do medo com inúmeros casos de depressão da atualidade.

Talvez, o seu medo não seja voar. Seja mudar de emprego. Mudar de cidade. Terminar um relacionamento que não o faz feliz. Abrir seu próprio negócio. Ser Feliz.

Pois bem, olhe de frente para ele. Olho no olho. Conversem seriamente o quanto for necessário, até o dia em que você dirá: “Sei que você está aqui dentro. Respeito sua existência. Entendo sua força, mas vem comigo meu amigo. Te convido a desfrutar da chance de apreciar as luzes de Roma lá de cima”.

Ainda em voo, a única luz que vejo agora é a luz vermelha da asa do avião. Dentro de poucas horas vou chorar de emoção ao vivenciar as luzes de Moscou (tenho certeza disso). Minhas pernas tremerão quando chegar a turbulência já prevista pelo comandante. Mais um alfinete no mapa. Mais um sonho de criança realizado. Mais uma aterrizagem. Mais um medo superado!!

Qual luz você quer apreciar? Qual sonho deixou para trás? Qual frustração o acompanha diariamente? Você, tão somente você, pode responder a estas questões. E você, tão somente você, tem o poder de realizar. Garanto que nas respostas virá a divina oportunidade de encontrar a sua luz.

Obrigada pela leitura. Até a próxima.

Luciane Borges

 

 

Uma resposta

  1. Altamente motivador seu artigo sobre o medo de voar, Luciane. Descrição vívida de emoções que são comuns entre pessoas que não policiam seus sentimentos. Ao contrário, deixam que fluam e voem. Parabéns.

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