Abduzidos pelo WI-Fi Grátis
Castelo de Rosenberg, Copenhaghen. Numa daquelas oportunidades únicas que a vida nos presenteia, lá estava eu visitando aquele soberbo local histórico. Construído no século dezesseis, por lá tudo impressiona; começando pelo portão que cerca o majestoso jardim, passando pelas centenas e centenas de jóias e artefatos pertencentes à realeza que por lá viveu, até a admirável arquitetura da época.
Eis que, logo na entrada, havia uma placa visivelmente posicionada com o mágico termo “Wi-Fi Grátis”. Assim como nove entre cada dez turistas, celular na mão, cabeça levemente curvada para frente, logo cliquei em “configurações”, para buscar o tal do WI-Fi gratuito.  Fotos e mais fotos. Dezenas de fotos – mesmo com o céu cinza, numa manhã chuvosa, para todos os lados que se olha é possível captar um esplendor único.
Com aquela excitação típica de quando conseguimos conexão com a internet, cliquei em check-in no facebook e já publiquei uma foto. Uau, que sensação maravilhosa! Quando iniciei o tour pelo castelo, como que num súbito momento, “a ficha caiu” (hum, quem tem menos de 20 anos não vai entender essa expressão), “tive um insight”. 
O primeiro dos aposentos é uma sala suntuosa, com todas as paredes forradas com placas de madeira e quadros, e uma gigantesca lareira. E lá estava eu, com o grupo de turistas, acessando o celular. O que é isso Luciane? Perguntei a mim mesma. Quantas vezes na vida você viverá este exato momento? E vai desperdiçá-lo acessando à internet? Mesmo sabendo que, muito provavelmente, não terei a chance de visitar aquele local novamente – lá estava eu perdendo a chance de apreciar o lado histórico de cada pequena peça. Deixando de sentir a energia do local.
Quando entrei na biblioteca fiquei babando. Prateleiras e mais prateleiras forradas de livros, circundavam a exuberante mesa com apetrechos de escritório. Obviamente, não havia roteador, e foi nessa hora que me perguntei: Quando é que fomos abduzidos pelo WI-Fi grátis?
Isso aconteceu no meio da viagem. Ou seja, mais cinco dias pela frente, para os quais estabeleci um desafio: acessar à internet somente no hotel. E o mais interessante, daí pra frente comecei a prestar atenção na forma como as pessoas lidam com o tempo e o que fazer com ele. 
Final da viagem. Estou escrevendo este artigo na sala de espera do aeroporto. Doze pessoas ao meu redor, das quais onze na clássica posição com a cabeça ligeiramente curvada para a frente e olhar na tela do celular.  Apenas uma pessoa lendo; e olha que me parece ser uma garota do geração Millennium.
Uma senhora com cerca de setenta anos senta-se ao meu lado, abre a bolsa, saca o celular, uma caneta e começa a digitar (com a caneta). Interessante como são compostos os grupos de “digitadores”. Há aqueles que digitam mega-rápido, utilizando-se de dois dedos. Outros, usam apenas um dos dedos para rolar a tela. Também há aqueles que digitam com o dedo indicador (geralmente, os mais velhos). Chega a ser engraçado notar a diferença.
WI-FI gratuito e ilimitado no aeroporto. Pessoas sentam-se no chão para ficarem próximas aos carregadores. Outros aglomeram-se no assentos designados para a conectividade. Todos abduzidos, menos a garota que mantém os olhos atentos à cada página do livro.
E por falar em leitura, se há algo que me surpreendeu nesta região (visitei os países Nórdicos – Finlândia, Noruega, Dinamarca e Suécia) foi a quantidade de lojas de livros. Muito mais livrarias do que lojas que vendem acessórios para celular. Gôndolas gigantescas de livros de bolso até em farmácia. E as pessoas leem. Incrível!
Ontem, passeando pela cidade, sentei-me numa praça e a comparação foi outra. Das dez pessoas que contei sentadas à minha frente, todas estavam lendo. Numa perfeita tarde ensolarada na Finlândia, notei que os moradores estavam muito mais interessados em desfrutar daquele momento mágico do que acessar às redes sociais.
O gatilho mental da escassez talvez seja uma explicação. O ser humano não valoriza muito o que tem em abundância. Nesta região o WI-FI gratuito é comum – até mesmo naqueles ônibus de turismo que circula pelos principais pontos guiando os turistas, denominado Hop-On Hop_Off. E o termo “WI-FI gratuito” está escrito em letras garrafais nas laterais do veículo, o que demonstra o valor que os turistas dão a este atributo. Todo café, restaurante, hotel e até mesmo lojas de roupas oferecem “Free WI-FI”. Por ser comum, passa desapercebido aos nativos.
Por outro lado, o sol é a moeda de mais valor na região. Assim como buscamos locais com acesso gratuito à internet, o Europeu busca um canto com sol. Impressionante. E completa o encontro com um livro na mão e uma taça de vinho na outra. Em alguns locais, o próprio restaurante oferece cadeiras de parque (para nós, a famosa cadeira de praia) para o cliente deliciar-se ao sol. Fiquei admirada!
Confortavelmente sentada, banhando-se com o calor dos raios ultravioletas, é a forma que a grande maioria da população gasta o seu tempo (ao menos nesta época do ano). Sem acessar à internet. Não quero fazer julgamento de valores, mas é um tipo de comportamento incomum para alguém que vive conectada e checa o celular antes mesmo de sair da cama, na fila do supermercado, no farol e, em momentos de perda total do bom senso, até dirigindo.
Gritante a diferença de atitude que notei entre desconectados moradores e os zumbis abduzidos pelo “WFG” (Wi-FI gratuito) – grupo no qual estou incluída. Novamente, longe de mim ficar comparando na tentativa de eleger o melhor ou o pior, mas impossível deixar passar em branco.
Logo após apagar o sinal para manter os cintos afivelados, o comandante inicia seu anúncio de boas-vindas, tempo de vôo e temperatura do destino – quase ninguém prestando atenção. Mas no momento em que anuncia “WI-FI gratuito” durante o vôo, alvoroço total na cabine. Passageiros desesperados para não perder aquela barganha, conectarem-se, moverem a cabeça para a frente e deixarem de admirar o inexplicável show da natureza naquele céu colorido das dez da noite.  Afinal de contas, seria um vôo de quarenta e cinco minutos.
Me fale você, isso é ou não resultado de algum tipo de abdução pelo qual passamos num dado momento no passado recente? Coisa de louco!! Por que cargas d’agua precisamos consultar e-mails ou redes sociais a todo momento? 
Até mesmo por conta do meu trabalho, preciso estar conectada e atualizada com o que rola no meio digital, e faço isso navegando pelas redes sociais. Mas daí para acessar à internet visitando um castelo. Desnecessário, não?
Será que não estamos extrapolando os limites? Onde vamos parar? O quanto de contato com a diversidade talvez estejamos perdendo? Fica, ao menos, a reflexão. Longa e profunda, por sinal.
Sobre o meu desafio, claro que não consegui. Zumbi de carteirinha, membro do conselho consultivo dos Zumbis do Estado de São Paulo, me dava agonia ficar sem saber o que estava acontecendo (como se isso fosse mudar algo).
De toda forma, houve avanço. Consegui reduzir o número de acessos, especialmente durante uma curta temporada de férias. Também acho que tenho resistido bravamente.Tanto que ocupei o meu tempo escrevendo este post, ao invés de navegar pelas redes sociais ou checar e responder e-mails.
Isso me lembra a época em que parei de fumar; pouco a pouco fui reduzindo a quantidade diária de consumo, até que um dia o cigarro perdeu sua força e deixou de dominar a minha vida.
Claro, não pretendo abandonar de vez minha amiga e companheira de todas as horas, chamada internet – mesmo porque, como estrategista de mídias sociais o meu trabalho depende da rede. Assim como também dependem da conectividade, a gritante maioria dos profissionais, atualmente.
Só acho que seria muito mais saudável e rico, do ponto de vista social e da vida em comunidade, estabelecer limites. Talvez, assim, deixemos de parecer como Zumbis, hipnotizados pelo sedutor leque de possibilidades que a “dona internet” proporciona, e ser donos do nosso tempo (em especial, o tempo livre). Outra oportunidade para reflexão!
Já parou para pensar como tem despendido todo o seu tempo? Qual o seu limite de disponibilidade para interação no mundo online? Quem, efetivamente, comanda o seu tempo?
A garota que lia no saguão do aeroporto, casualmente, sentou-se logo atrás de mim no avião. Notei, agora, que ela adormeceu com o livro aberto em suas mãos.
Espero que tenha gostado da leitura.
Até a próxima! Abraços. Luciane Borges

3 respostas

  1. Precisamos realmente prestar atenção para não sermos dominados pela internet. Precisamos nos conectar também com a vida, com as pessoas, com o está a nossa volta. Equilíbrio sempre… Para isso fazemos uma yoga para nos ajudar!!! Parabéns pelo artigo!

  2. Com certeza, é u hábito difícil de se perder! Mas precisamos colocar limites. Quer coisa melhor que apreciar o que estamos vivendo, sem postar? Estamos presos em liberdade!

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